A senadora teria muito a explicar, fosse este um país sério. Como não é, ela prefere calar-se. E fica tudo por isso mesmo
por Gabriel Castro
Em outubro, o país vai mais uma vez escolher seu presidente. Os pré-candidatos já fazem o possível para ter o máximo de exposição. Obviamente, há coisas que eles nunca contariam. Acostume-se com isto: nenhum político é confiável.
Há algumas semanas, o PSOL apresentou-se oficialmente à comunidade da UnB. Fiz a cobertura do evento (http://cacom.blogspot.com/2006/01/psol-na-unb.html), junto com os estudantes Marco Prates e Vitor Freire. Consegui falar com a senadora Heloísa Helena. Ela não quis conversar na hora, mas passou-me o número de seu celular. Liguei para a senadora e acertei uma entrevista com ela: eu enviaria as perguntas por e-mail. A equipe do Blog do CACOM discutiu a respeito e, então, enviamos as perguntas: uma sobre o PT, duas sobre a universidade pública e uma sobre a posição ideológica do PSOL. A quinta pergunta, a última, era a seguinte:
“A senhora e seus companheiros de partido têm sido criticados por serem colegas de Achille Lollo, que foi condenado por assassinato naItália. Até onde é possível separar a vida pessoal da militância política de cada um, na opinião da senhora ?”
Lollo hoje
Achille Lollo é italiano. Em 1973, seu país vivia os Anos de Chumbo e ele militava no Partido Operário. Num episódio que chocou a Itália, Lollo e dois companheiros de partido jogaram 5 litros de gasolina por baixo das entradas do pequeno apartamento onde Mario Mattei, sua mulher e seus seis filhos moravam na rua Bibbiena, no bairro operário de Primavalle em Roma. E atearam fogo. Mattei trabalhava como gari e era secretario da seção do MSI (Movimento Social Italiano, de direita) no bairro. O casal conseguiu escapar, junto com quatro filhos. Mas Virgilio, de oito anos, não conseguiu sair de seu quarto. Seu irmão Stefano, 14 anos mais velho, tentou salvá-lo. Ambos morreram queimados.
A casa de Mattei após o incêndio O filho mais velho de Mattei, durante o incêncio, ainda vivo
O atentado ficou conhecido como Rogo di Primavalle (incêndio de Primavalle). Em 1987, Achille Lollo e dois companheiros de partido foram julgados e condenados a 18 anos de prisão. Porém, Lollo fugiu da Itália para, anos depois, reaparecer no Brasil. Em 1993, o governo brasileiro se negou a extraditá-lo e ele vive até hoje no país. Em 2004, Achille participou, junto de Heloísa Helena, da fundação do PSOL, partido do qual é um dos principais ideólogos. Não há notícia de que algum dirigente da legenda se incomode com sua militância. A senadora critica o presidente Lula por ser aliado de José Dirceu. Nada mais justo do que perguntar a ela sobre sua cooperação com Achille Lollo.
Lollo, na época do atentado
Mas seus assessores não pensam da mesma forma: depois de muitas tentativas, consegui ser respondido. Não da forma que esperávamos:
“Este jornal é realmente da UNB? E você é o editor?O publico alvo desde jornal são estudantes, funcionários e professores?Agora o seu público conhece o Achilles, e que ele tem haver com a Senadora?O seu Público sabe quem é Olavo de Carvalho?Assim fica difícil agente fazer alguma coisa”. (os erros de escrita originários da Assessoria da senadora foram mantidos)
Olavo de Carvalho é articulista de alguns jornais de grande circulação. Ele critica pesadamente a senadora e seu partido, inclusive por causa da aliança com Achille Lollo. Mas eu não citei Olavo de Carvalho na entrevista e ninguém precisa concordar com ele para exigir respostas da senadora: uma breve pesquisa na Internet basta para se encontrar informações sobre o caso Mario Mattei.
Então, respondi à Assessoria:
“Certamente a maioria do meu público não conhece o senhor Achille e isto é até um fator que reforça a importância desta pergunta; a senadora é presidente do partido e candidata à Presidência daRepública; Achille Lollo é não só colega de partido, como foi co-fundador e parceiro militante da senadora. Sem dúvida a relação existe.”
(...)
“Não sei se, por sermos estudantes e por escrevermos para um jornal vinculado ao Centro Acadêmico (embora nem eu nem a maioria dos repórteres sejamos membros do CA), os senhores esperavam que fôssemos apenas elogiar a senadora e deixá-la discursar, algo que de fato ela faz bem. Mas definitivamente, não é o tipo de proposta que nós buscamos.”
(...)
“Não vou retirar esta pergunta e continuo esperando que a senadora cumpra o combinado e mande as respostas. Mas se a incomoda a pergunta 5, não precisa responder. Tenho certeza de que ela sabe que este tipo de incômodo é apenas um indício de que vivemos numa democracia, e que mal seria se isso nunca acontecesse”
Esta mensagem não foi respondida. A equipe do Blog decidiu, então, esperar mais uma semana pelas respostas da entrevista. Eu enviei uma mensagem ao e-mail da senadora para informá-la do prazo. Escrevi:
“(...) aviso que (...) vamos colocar no ar a matéria, com ou sem as respostas. Não é uma ameaça, é só um aviso.”
Desta vez, a própria senadora respondeu. E pôs em dúvida sua capacidade de interpretação: ela entendeu pelo contrário o que eu disse. E, claro, não perdeu a oportunidade de usar seu discurso de perseguida:
“(...) Ameaça?? Acha V.Sa. que eu tenho medo de alguma coisa??? Passei a vida como sobrevivente tendo que engolir meus próprios medos, entendeu???”
Ainda respondi, explicando o mal-entendido. Mas completou-se o prazo que estipulamos e a senadora (e sua Assessoria) nada mais disseram. As respostas da entrevista não chegaram. Conforme o nosso compromisso, estamos publicando este esclarecimento.
Por que será que a senadora, propagadora tão insistente da ética e da transparência, não se sentiu à vontade para responder à pergunta sobre Achille Lollo? Fosse esta uma acusação falsa e sem sentido, com certeza ela não se preocuparia em responder. Mas preferiu se esquivar. Achille matou duas pessoas e foi condenado a 18 anos de prisão. Isso são fatos, não são produtos da opinião do Blog. Que tipo de pessoa não se incomodaria ao ser acusado de aliar-se a um assassino de crianças? A senadora Heloísa Helena, ao omitir-se, dá-nos o direito de fazer todo o tipo de suposição (inclusive as mais graves. Principalmente, aliás).
Em 2003, o crime de Achille Lollo completou 30 anos e, pelas leis italianas, prescreveu (sua pena deixou de ter efeito). Entretanto, familiares das vitimas e grupos políticos italianos recolheram assinaturas e pressionaram a Justiça, que no ano passado declarou inválida a prescrição do crime. Ou seja: Lollo ainda tem uma pena de 18 anos para cumprir na Itália. Contudo, continua livre no Brasil (a leniência da Justiça brasileira não é novidade. Vide o caso Ronald Biggs).
O abaixo-assinado
Heloísa Helena vai se candidatar à Presidência da República. Tomara que seja mais transparente na campanha do que demonstrou ser conosco. Para mim, já não há dúvidas: quando um entrevistado foge e não responde a uma pergunta, sem querer ele diz muito mais do que se houvesse respondido.
Até o fechamento desta matéria, a senadora não enviou as respostas.
Links relacionados:
Cronologia do caso Mattei Fratelli (página em italiano):
http://redazione.romaone.it/4Daction/Web_RubricaNuova?ID=63379&doc=si
Páginas cobrando Justiça para os assassinos dos irmãos Mattei (em italiano) :
http://www.azionegiovani.org/modules.php?name=News&file=article&sid=35
http://www.lisistrata.com/2005politicainterna/002vergognalatitanti.htm
Relato do ataque à casa dos Mattei (em português):
http://www.italiamiga.com.br/noticias/artigos/quello_spaventoso_rogo_di_30_ann.htm
Um dos artigos de Achille Lollo no site oficial do P-Sol:
http://www.psol.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=27
Nota: todos os artigos de Achille Lollo no site oficial do P-Sol foram apagados após a publicação desta matéria
Artigo de Achille Lollo no site do P-Sol de São Paulo:
http://www.psolsp.org/?id=548&PHPSESSID=4b7a28a8cbbc069dcfe0c723d4fa4a43