Instrumentos clássicos: ruído anarquista
Rochael Alcântara faz “barulho” na aula da Comunicação
Colaboração de Alaise Beserra
“Música é comunicação”, a afirmação foi jogada no ar para começar uma conversa memorável. E o que era para ser uma aula comum de jornalismo, na última quinta-feira, dia 9 de março, resultou num espetáculo à parte para os alunos de Oficina de Texto. Chamado para falar de música, comunicação e vocação, Rochael Alcântara, que é professor da Escola de Música de Brasília (EMB), filosofou sobre o tudo e o nada e prendeu durante duas horas a atenção dos alunos. Fugindo ao padrão do palestrante convencional, ele falou de sua música, que de acordo com ele próprio, seria “muito estranha”.
Teatral, fez da sala um palco e quis saber de cada estudante presente, o porquê da escolha pelo curso de comunicação. Depois de ouvir atentamente a todas as respostas, acrescentou que só faz sentido fazer qualquer coisa se for pelo outro. Se for pensando em “salvar vidas”, seja da morte, seja do tédio.
O convidado do professor Luis Martins cantou várias vezes durante a aula. A letra de “É meu, é meu é meu”, música de Roberto Carlos que embalou gerações, foi lembrada para exemplificar a inexpressividade de canções que ajudam a promover idéias que ele, indignado, chama de podre. Seu refrão diz: “Tudo que é seu meu bem/ Também pertence a mim/ Vou dizer agora tudo /Do princípio ao fim /Da sua cabeça até a ponta do dedão do pé”. Mas a música de Rochael, ao contrario de romantizar o sexismo, tem conteúdo radical: “Pare já com essa guerra: mulher de um lado, homem de outro/ Trabalha babaca/ Cheira, cretino /Toda propriedade é roubo/ Toda propriedade é roubo”. Anarquista convicto, o músico e compositor formaram, em 2001, uma banda que mistura rock, jazz e outros ritmos. “João Ninguém” tem promessa de lançamento do primeiro CD para o próximo mês de abril.
Para fazer entender sua música, Rochael buscou explicação acadêmica na subversiva escola do “ruidismo”. Surgido na Itália, o movimento que tentou reconstruir o conceito de ruído e estudar o significado do silêncio, reinventou a música. Na década de 50, a composição “Silêncio para piano”, de John Cage provocou polêmica, sinalizando uma nova era para os estudiosos da música erudita. Rochael também apresentou o seu “Um minuto e nove segundos de flauta” e, numa menção ao toque, se congelou como uma estátua para soprar apenas o silêncio. O músico, que estudou composição e regência na Universidade de Brasília, já chamou muita atenção ao compor música em forma de arquitetura. “O que eu quero é um retrato, não um filme, o que eu fiz é um poema, não é um livro”, insistia Rochael ao tentar se defender da crítica taxativa de seus professores, que disseram estar “faltando desenvolvimento” na composição das chamadas “A Catedral de Brasília”, “O Congresso”, “A Esplanada dos Ministérios”e “Memorial JK”. Usando as notas esteticamente distribuídas nas pautas da partitura, as composições formam um desenho perfeito de cada monumento. Mas tanta inovação na música, não é facilmente aceita, principalmente pelos acadêmicos mais ortodoxos.
Até os anarquistas, já torceram os narizes para Rochael. Segundo conta ele, num encontro que aconteceu na UnB, uma música que foi feita para ser cantada em sexteto, acabou virando solo. Tanto incômodo, afinal, soa genialidade. E a biografia dos gênios não deixa dúvidas quanto ao preço que todo visionário paga por ser o que é. Mas se a intenção desse “João Ninguém” era mesmo comunicar, o recado está dado. Sua banda também esta na agenda de shows da próxima Feira de Musica Independente (FMI). E, no próximo dia 01 de abril, fará um show no Centro Comunitário da UnB ao lado de bandas como Mundo Livre S.A. , de Pernambuco e Cadabra de Brasilia.
Alaise Beserra é estudante de Comunicação Social na UnB.
Um comentário:
Deve ser por causa de aulas desse tipo que a decadência do ensino "superior" no Brasil não consegue se esconder.
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