Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Futebol!

Um urubu obrou em mim
por Vitor Matos

É com satisfação que continuo escrevendo do litoral brasileiro. A beira do mar revigora essas mentes acostumadas à cizânia e às atribulações da cidade grande. Maresia, cocos, ondas, tudo isso cai muito bem. E aos poucos a gente vai notando o quanto o estilo de vida dessas paragens é repleto de peculiaridades. Em Ilhéus – que fiquei sabendo chamar-se São Jorge dos Ilhéus – por exemplo, não há padarias, pelo menos não com esse nome. Lá elas são conhecidas como delicatessen. Singelo e chique assim. Delicatessen.

É claro que em cada detalhe inusitado procuro estar sempre fazendo associações com o futebol, que é meu nicho, afinal de contas. Confesso que não tem sido fácil. Olho pra paisagem ao meu redor e não consigo enxergar relações com uma bola, um gol ou um campeonato qualquer. Por ocasião do Alexandre Pato – a mais nova sensação do nosso futebol - cheguei a cogitar tecer uma analogia entre os patos e as gaivotas, que tanto abundam na praia. Teria sido mequetrefe. E quando eu já ia desistindo de ter uma idéia criativa….

Percebi que o Brasil possui duas belezas muito próprias. O futebol e as praias. São dois dos maiores símbolos do nosso país, largamente admirados, exaltados e idolatrados mundo afora. São riquezas de encher os olhos. E o curioso é que cada uma delas possui uma beleza distinta, meios diferentes de se fazerem atrativas.

O futebol brasieiro é como uma pintura renascentista. Irretocável, milimétrico, suntuoso. Não há arestas a serem aparadas. Os dribles são encaixados sem esforço, as tabelas fluem sem obstáculos, cada gol é fruto de uma trama elaborada, cada vitória vem esculpida a cinzel. O futebol brasileiro é uma utopia palpável. São nossos sonhos realizados.

As praias não são assim tão fantásticas. Há sempre uma vila de pescadores, ou uma cidadezinha, ou ainda um verdadeir aparato de cidade grande que arranham a paisagem do litoral brasileiro. Salvo as orlas intocadas – cada vez mais raras – nossas praias precisam dividir espaço com a rudeza do cenário urbano; os muros de concreto envelhecido, o asfalto, as casas de alvenaria precária, o lixo jogado nas ruas. Mesmo assim, o quadro que se apresenta não é o de feiúra ou de repulsa. Pelo contrário. O contraste entre o capricho da natureza e a selvageria da ocupação humana produz uma beleza ímpar, daquelas que levam tempo para serem assimiladas, daquelas de que não se entedia fácil. Se no Brasil, o futebol e renascentista, a praia é realista. Cada um fascinante a seu modo.

E tudo isso me veio à mente quando, passeando de carro pela orla, algo caiu do céu e veio atingir de cheio o meu braço. Um líquido preto e viscoso, de cheiro desagradável, começou a escorrer biceps abaixo. Olhei pra cima e vi que urubus sobrevoavam a região.


P.S.: No caso de Newton,que afinal de contas é um sir, bastava que maçãzinhas tenras e cheirosas lhe caíssem na cabeça para que tivesse uma inspiração. Isso é ser delicatessen.

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