Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Futebol

Com a Força do Povo
por Vitor Matos

Consigo imaginar o futebol sem grama, sem trave, sem juiz. Nos acostumamos até a vê-lo sem jogador. Mas não há futebol sem torcida na arquibancada. Ela está para esse esporte assim como o botão confirma está para as urnas eletrônicas. Seja alvinegra, alvi-celeste, rubro-negra, qualquer uma. Com suas bandeiras desfraldadas e seus gritos apaixonados lembram o furor da guerra. Com seu canto de vozes uníssonas remete à ópera. Com seu choro emocionado cheira à vida. O jogo se desenrola no gramado enquanto um outro show, talvez até mais belo, toma conta das arquibancadas. Futebol lá embaixo, carnaval cá em cima, ambos abraçados. Um estádio é a síntese do Brasil.

Não é só beleza que uma torcida de futebol encerra. Há toda uma sorte de características que fazem dela um importante personagem da vida social. Dizem que os jornalistas são a ponte entre o mundo da bola e o público. Discordo. É a torcida nas arquibancadas que faz esse papel. É ela que grita “Burro, burro!” para o técnico ineficiente; é ela que berra “Ele é melhor que o Eto’o ” para o centroavante em boa fase;e por fim, é ela que entoa “Ei, Galvão, vai ...”. A torcida é de uma objetividade e de uma clareza assustadoras.

Juca Kfouri, meu colega de crônica esportiva, tem uma boa história para ilustrar a participação das torcidas no cotidiano da nação. Diz ele ― numa entrevista que li não sei aonde ― que os tempos eram de Ditadura Militar. O movimento pelas Diretas ainda não tinha tomado conta das ruas e as pessoas guardavam certo receio quanto a tocar assunto. As manifestações pelo direito ao voto mal engatinhavam. Então houve um jogo no Morumbi. Casa cheia. No meio da torcida , uma faixa. “Diretas Já”.

A força da massa é incalculável. Faz tremer as pernas na Bombonera, palpitar o espírito catalão no Camp Nou e marejar os olhos no Maracanã. Impulsionado pela torcida, Pelé fez mil gols. Era no canto da galera que Fio Maravilha encontrava inspiração para driblar, não os adversários, mas a sua escassa técnica. E quando, em 1950, o silêncio se abateu sobre as arquibancadas, o resto do país também caiu em luto sepulcral.

O curioso é que a torcida desconhece o poder que tem. Fizeram-na acreditar, ao longo de muito tempo, que ela não era capaz de promover mudanças ou de impor suas vontades. Pior, convenceram a torcida a se conformar com uma situação adversa. Foi induzida a torcer contra o próprio time, comemorar em gol do adversário. A força da torcida dormia mansa. Mas talvez isso esteja mudando. Aos poucos, vai se percebendo que milhares de vozes podem fazer muito mais do que trazer o Galo de volta à primeirona ou empurrar o São Paulo rumo ao título. Aos poucos, vai se percebendo que “O bicho vai pegar” não precisa, necessariamente, ser apenas um grito de estádio. Oxalá.

Nenhum comentário: