Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Crônica

Sorte por 2 minutos e 100 metros
por Ânderson Corrêa

Ao final de mais um dia estafante, esperava eu no ponto de ônibus o bendito Gama Oeste chegar. A vontade de estar em casa era indescritível. Às 18h, eis que rompeu no horizonte aquela carroceria toda amarelinha, bem assim mesmo, em tom poético. Àquela altura, o design padronizado, sem criatividade, era um belo quadro assim como o ruidoso motor era a orquestra mais harmônica.

O ônibus foi seguindo seu itinerário normalmente, ou melhor, com uma única, e somente única, diferença, sem exceção nem mesmo das pessoas que ali estavam e da forma que se dispunham. A cada parada, o motorista gritava ao abrir a porta: “O Leste não vem”. Os pobres usuários de coletivo, iguaizinhos a mim no desejo de ir embora, trataram de entrar no Oeste e deixar a espera de lado. Afinal, é melhor chegar ao Gama Oeste do que nem chegar ao Gama.

O “baú” já estava lotado quando entramos na Avenida L2 Sul. O motorista não se aborrecia com o fato de ter que fazer o anúncio da falta do Leste a cada ponto, para desespero dos ansiosos passageiros. Pelo contrário, ele ensaiava um jeito jocoso de dizer a frase da discórdia. A certa altura da via, um dos diabos que ai em pé avistou um ônibus cujo letreiro lhe parecia muito doméstico. Não hesitou em gritar: “Opa!!!! É o Leste!”.Iniciara ali um corre-corre que duraria aproximadamente dois minutos. Enquanto uns colocavam a culpa do desassossego no motorista do Oeste, dizendo “Cabra mentiroso”, outros se apressavam em descer para garantir um lugar nos bancos desconfortáveis do outro ônibus.

Continuamos a já conturbada viagem. Ao meu lado, sentou-se um estudante de Engenharia, que embarcou não sei em qual parada. Também não sei qual das Engenharias ele cursa. Você, caro leitor, pode estar se perguntando agora: “E isso tem importância?”. Eu digo que sim. Serviria para justificar as mudanças de jeito dele a viagem toda. Ora elétrico, ora com cara de poste. O intrigado rapaz seguia espremido entre mim, o banco da frente e um homem folgado, que pendurou sua volumosa bolsa no suporte de mão situado exatamente em cima da cabeça do pobre estudante. Coitado!

O Leste não rodou nem cem metros até o telefone celular do motorista do Oeste tocar. “O carro quebrou”, disse o cobrador do Leste. A histeria foi geral. Os passageiros do Oeste foram hostis à volta dos passageiros do Leste, e esses, por sua vez, já estavam como verdadeiros cães raivosos. “Maldito Wagner Canhedo”, resmungava uma senhora. As lamúrias continuaram até o ônibus estacionar na rodoviária.

O interessante, vejam só, é que essa crônica poderia ter sido totalmente diferente, se ao invés de ir direto para casa, eu tivesse ido comprar um livro no Setor Comercial Sul. Nesse caso, eu tomaria o W3 Sul – Gama Oeste das 18h45, que quebrou no primeiro ponto do Gama. A título de curiosidade, a epígrafe seria “Azar a 2 minutos e 100 metros de casa”.

Nenhum comentário: