Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


terça-feira, 3 de outubro de 2006

Ponto de vista

Nem só de política e tragédia vive o país
por Carolina Menkes
foto: divulgação

A cultura também está presente, mas são poucos os que abrem os olhos para ela. Peças nacionais e internacionais, de companhias prestigiadíssimas, estiveram por aqui nas duas últimas semanas com espetáculos por até quatro reais a meia. Uma pechincha, se considerarmos o preço do cinema e de tantos outros espetáculos que, convenhamos, não valem o que cobram. As salas estiveram cheias, mas com uma pesquisa simples é possível perceber poucas pessoas sabiam da existência do Cena Contemporânea. E não foi por falta de divulgação, pois só na UnB cartazes ficaram expostos por todo o Minhocão durante semanas. Provavelmente, por falta de atenção e interesse.
Cena de Pessoas Invisíveis

Como o próprio nome diz, são peças contemporâneas. O que implica em montagens nada convencionais, com roteiros menos ainda e que têm grande chance de não agradar. É o caso do espetáculo alemão Na Selva das Cidades, que criou opiniões extremistas. Muitos saíram no meio da peça, de quase 3 horas de duração. A peça é uma adaptação de Bertolt Brecht feita pelo diretor Frank Castorf, famoso por virar clássicos ao avesso. É falado em alemão e foi o único com legendas, necessárias mas também um tanto inconvenientes; tanto por cansarem e forçarem a visão como por mostrar falas desatualizadas e visivelmente distintas dos atores em muitas ocasiões. Um pouco experimental demais.

Outra experimentação começa quando um grupo de amigos sobe ao palco da Martins Pena para celebrar um encontro. Não se sabe ao certo o que é real e o que é ficção. Preparam um jantar, bebem vinho e esperam um convidado eternamente ausente, enquanto mantêm a platéia como cúmplice de seus sentimentos e emoções. A falta que nos move explorou os limites entre a performance e o teatro. A peça também gerou opiniões controversas, ao ser em certos momentos um tanto forçada.

As peças russas receberam grande parte da atenção no evento. Kama Ginkas, que pegou dez páginas do romance de Doistoiévsky para construir o monólogo encenado por Oksana Mysina deu origem a K.I. de Crime e Castigo, que foi de longe a peça mais disputada, com platéia limitada a 70 lugares. A maravilhosa atriz russa encarna Katerina Ivanovna no momento em que se prepara para a despedida do marido morto. O espetáculo é conduzido por texto em russo, francês e música, mas não leva legendas. E nem precisa. Algumas palavras em português são inseridas no texto e permitem uma noção da narrativa; mas os gestos, olhares e vozes são mais fortes. O público transforma-se em convidados de Katerina, de modo a envolverem-se de tal modo na ação que é impossível não sair abalado do local.

Uma das últimas apresentações da mostra foi Pessoas Invisíveis, surgido a partir das HQs de Will Eisner. O espetáculo, dirigido por Paulo de Moraes, fixa-se na vida de três habitantes das grandes cidades, mas a história começa com todos mortos, como fantasmas que não conseguem desligar-se do edifício onde viveram. O cenário, como é comum entre as peças da Armazém Cia. de Teatro, é da melhor categoria. A iluminação também não deixa a desejar. O roteiro talvez um pouco, por repetir o clichê da violência nos grandes centros urbanos. Mas de modo nada convencional, é bom ressaltar.

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