Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 27 de junho de 2007

Futebol!

Coxinhas

Por Vítor Matos

Lá em casa, quando os morcegos voltam às tocas e começa o chilrear dos passarinhos é porque amanheceu. 27 de junho de 2007. Pulo da cama, ainda em roupas de baixo, atravesso corredor, sala, outra sala, o maltratado coração palpitante. Abro o jornal. Uma lágrima. O Dunga ainda não foi demitido da Seleção.

O que significa, em poucas palavras, que hoje é dia de agonia. Há uma janela no claustro aonde escrevo o presente texto. Posso ver que faz uma tarde de aquarela lá fora, ali vai um casal ao sol, logo atrás uma redonda senhora, até o engarrafamento sorri. Aproveite este dia, bom leitor. Desfrute, principalmente, da novela das oito - seus intervalos, suas cenas picantes, cada pedaço de diálogo vão - porque depois dela só existirá o caos e o desespero. Brasil e México.

Houve um tempo em que jogo da Seleção era ocasião festiva. Você reunia os amigos, assava um coração, brindava com refrigerante na certeza, senão da vitória, ao menos do bom espetáculo. Esses dias já não nos pertencem. Estão sepultados num passado saudoso, junto com os restos mortais de um Brasil que, mesmo miserável, ainda tinha certa graça.

Num domingo desses, Ugo Giorgetti, colunista de esportes do Estadão, alertou para a extinção do jogador de futebol tipicamente brasileiro. Aquele sujeito malandro, mão na cintura, que esbanjava ginga tanto para entortar adversários quanto para driblar as orientações do “professor”. Maroto no trato com a bola, poderíamos reconhecê-lo simplesmente pela postura no jogo, seu bailar, seu gestual, sua aversão à marcação, e também pelos mínimos detalhes, como na maneira de fazer o sinal da cruz ao entrar em campo ou de dar aquela cuspidela no gramado. Esse jogador, tão presente em nosso imaginário, sumiu. Em seu lugar, apareceu o Kaká. (Alguém já viu o Kaká cuspir na grama?)

A crise não atinge só o futebol. O Brasil já não é mais brasileiro há muito tempo. Basta citar que a música de expressão da nossa periferia é norte-americana. Ou que já temos mais loiras aqui do que na Escandinávia inteira. Ou ainda que a outrora indiscutível dupla arroz e feijão está sendo suplantada pela Fast & Food. (Notou como até o “&” é colocado para dar tons de superioridade?). Nesse quadro decadente, o futebol meio inglês meio alemão que o Dunga nos faz engolir é só mais um golpe – mas não deixa de ser doloroso, é verdade – contra as virtudes do Brasil que tinha graça.

Sobra um alento, um último sopro de esperança, um baluarte do Brasil brasileiro. E não é o Afonso. É a Coxinha de frango, a magnânima, a rainha dos salgados. A Coxinha – grafada em maiúsculo por veneração – é o nosso William Shakespeare, nosso 4 de julho, nossa queda da Bastilha. Ela representa, une, orgulha e alimenta o povo brasileiro. E é genuína daqui. Se fosse um jogador de futebol, seria daqueles peladeiros. Se fosse música, seria samba e não hip-hop. Zelemos pelas Coxinhas, porque nelas está a lembrança do que um dia fomos e também a esperança de que possamos, no futuro, voltar a sê-lo.

P.S.: Hoje é aniversário da minha tia Eliane, parabéns pra ela. Desnecessário dizer com que tipo de quitute ela estará esperando a família.