Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quinta-feira, 10 de maio de 2007

Crônica

Futebol em dose dupla. Segue hoje uma crônica futebolística de Igor Pereira, que toma a voz de um botafoguense.

Tragédia em branco e preto
por Igor Pereira

As maiores tragédias são as sutis. Tragédias explícitas geram em nossas mentes uma espécie de catarse, nos anestesiam de tal modo que somos perfeitamente capazes de receber resignados os últimos golpes. A tragédia sutil é cruel, porque ela só nos pega no último instante. Como a presa de um gato brincalhão, nós, cobaias de Deus, como disse Cazuza, acreditamos, até o instante derradeiro, poder escapar do inescapável, quando a tragédia se revela num sorriso sarcástico, como um clímax de um roteiro escrito desde o início dos tempos.

Uma goleada é facilmente esquecível; aos poucos, os lances do jogo vão sumindo da memória como cenas excluídas de um filme. Já o jogo de domingo continuará ecoando nas mentes alvinegras obsessivamente como um passado que pede para ser mudado. Assim como o protagonista de “Efeito Borboleta”, nós - botafoguenses – passaremos dias pensando em mudar um só detalhe que poderia evitar o fatídico destino.

Ah, se o Dodô tivesse passado aquela bola para o Zé Roberto fazer o terceiro e matar o jogo! Se o Lúcio Flávio desse uma porrada seca na bola quando ele estava na cara do gol! Se o Júlio César não tivesse sido expulso naquele jogo! Se não tivéssemos inexplicavelmente perdido aquele jogo para o Boavista e cedido àquele outro time a vaga nas finais da Taça Guanabara. Mas, de todas essas condicionais, a que mais dói é justamente aquela que não dependeu do nosso típico azar ou do imponderável (já rotineiro), mas sim da vontade de um único homem, que, vestido com uma camisa cor-de-marcador-de-texto, se achou no direito de estragar um desfecho magistralmente escrito em preto e branco por um capricho de seus olhos míopes ou corrompidos e de sua arrogância de coronel desarmado.

O papa João Paulo II disse ou escreveu certa vez que o sofrimento do inferno não era causado por caldeirões ferventes nem por diabinhos cutucando traseiros com tridentes afiados, mas sim por um sentimento profundo ou inquestionável de ausência de Deus. Quem é botafoguense e assistiu ao jogo no estádio ou em casa pôde também experimentar essa sensação por alguns minutos. Saboreamos o abandono e a impotência diante de um mundo sem espaço para heroísmo, no qual não adianta ter competência, garra, amor, nem três caras do outro time dando condição de jogo, que o juiz marca o impedimento, expulsa e escreve outro final. O deles.

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