Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Futebol!

Só faltava nevar
por Vitor Matos

Além do futebol e das histórias de pirata, me interesso também pela observação das estações do ano. É um habito que conservo de uma das minhas encarnações passadas, quando fui camponês feudal. A cor do céu, a consistência das nuvens, o cheiro do ar, o calor do sol. Acostuma-se a analisar as minúcias do tempo quando se tem o sangue bucólico nas veias.

Em todos esses séculos de acurados exames, nunca vi nada que se comparasse ao clima de Brasília no final do ano. A poeira e a aridez, tão íntimas do Planalto Central, são lavadas pelas chuvas de verão. Em seu lugar, surgem o verde da vegetação revitalizada e o azulado do céu, livre da sua burca de névoa seca. A chuva cai feroz todos os dias, mas dura só o suficiente para trazer frescor à terra. Toda tarde termina ensolarada. São belos painéis os que a água, o céu e o sol pintam na cidade.

As benesses da natureza não são as únicas a nos brindar nessa época. Ainda há o horário de verão, o Papai Noel, o Ano-Novo, os parentes vindos do interior de Minas, os preparativos para a praia, o show do Roberto Carlos.

Só faltava nevar.

Mas não é só de regozijo que é feito o fim do ano. Ele também tem sua dose de agonia. Basta ligar a TV na quarta à noite para descobrir do que estou falando. Não passa futebol, amigos. Nadica. Todos os torneios estão terminados, os jogadores de férias, os gramados sendo aparados. Quem foi campeão já está devidamente premiado, quem foi rebaixado já exauriu as lágrimas sobre o leite derramado. Sobra só a gente, humildes telespectadores, nos satisfazendo com migalhas dos campeonatos europeus. Até que eles, naturalmente, entrem em recesso de inverno. Tem-se a escuridão completa, o zero absoluto, os dias vazios.

Junto com o fim do ano, chega também uma instituição com a qual eu nunca soube lidar direito. As férias. Não nego a importância de se gozar um período de descanso, ainda mais depois de longos meses de árduo trabalho. Água de coco, rede, camarãozinho. Mas precisa de 3 meses? Chega uma hora que o ócio enjoa. Nada como a boa e carcomida rotinazinha medíocre para espantar o tédio. Encontrar os amigos na faculdade, fazer trabalhos de última hora, enfrentar os mesmos dilemas de sempre. Isso é sentir-se vivo, companheiros, é aproveitar intensamente o tempo que nos é dado.

Francisca das Chagas, 54 anos, empregada doméstica. Essa é a pessoa que eu mais verei nos próximos 3 meses. Ela me acorda todos os dias prematuramente, seja com o barulho da vassoura, seja me chamando para alguma tarefa insípida. Já são mais de 16 anos agüentando essa senhora. Em períodos de férias (ou greves) me relaciono com a Francisca mais do que nunca. Pior, eu como a comida que ela faz. Mil vezes pior, eu sou obrigado a ouvi-la entoar seus cânticos de igreja.Três meses, amigos, três.

As férias servirão, ao menos, para terminar de ler “Os trabalhadores do mar”, do Victor Hugo, meu colega escritor. O livro trata duma saga que não deixa de ser minha, uma vez que eu, pirata adormecido, também labuto no mar. Serão 3 meses na companhia das ondas, das espumas, das conchas, dos rochedos e da imensidão sem fim.

O que não me impede, está claro, de enviar semanalmente a coluna através duma garrafa de rum jogada ao oceano.

P.S.: Eu tenho uns camaradas que discordariam peremptoriamente de toda essa balela dita acima. Primeiro porque prezam sobremaneira a rica arte de nada fazer. Depois, não suportam o fim de ano. “As comidas ficam cheias de uva passa”, diriam eles.

Um comentário:

Anônimo disse...

concordo. com a falta do futebol, com o ócio quase insuportável das férias que nunca chegam, mas que quando chegam não acabam nunca. e concordo também que as comidas insistem em ficar cheias de uvas passas..