Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


sábado, 23 de setembro de 2006

Dia do Leitor

Imóvel
por Pedro Henrique

Jamais saberia dizer ao certo quando exatamente aconteceu. Definitivamente, isso pertencia à classe de coisas que, de tão gradativas, só se tornam notáveis quando dificilmente poderiam ser revertidas.

Uma dor na boca do estômago, um desconforto no peito, um aperto na garganta e umas lágrimas fugidias querendo escapar. A isso aprendeu a chamar Saudades. Já sentira algo semelhante, mas em menores proporções. Saudades de quem morava longe, saudades de quem não falava mais com ele, saudades dos parentes que já não estavam mais aqui. Mas, naquele momento, não sentiu saudades dos outros.

Pensou no sarcasmo cruel da vida. Ela ali, a alguns quarteirões de distância. Não tinham brigado, sequer discutido. Nada de grandes marcos, "aqui acaba a nossa vida juntos". Simplesmente foi acontecendo. Como uma moringa rachada onde, um belo dia, descobre-se não ter mais água. Sentiu saudades do que viveram juntos, das longas conversas ao telefone. Saudades da maneira como ela sempre desacreditava nele, e também de como ele sempre a fazia recobrar a esperança nas coisas. Tinha quase certeza que ali, do outro lado da rua, naquela janela cinzenta, havia alguém que pensava o mesmo.

Cogitou atravessar a rua, bater à porta. Não, pareceria idiota. Ir atrás dela na faculdade, mas não queria voltar lá. Pensou em tudo, e a idéia mais plausível lhe pareceu o telefone. Um sem número de vezes pegou o aparelho, e discou o começo daquele número que jamais poderia esquecer. "Não, preciso de um café". Sentiu o elixir negro queimar cada recanto do sujeito cansado que se desmanchava sobre a poltrona de braços roídos.

Olhou o telefone mais uma vez. De súbito, sentiu medo, mais medo do que antes. Estendeu o braço e discou. Não o número dela. Lentamente, discou. Cada vez que girava o disco, reconhecia o seu próprio número. Quem sabe ele mesmo se atendesse, em algum lugar do próprio passado, e lhe explicasse o que exatamente ele perdeu no meio do caminho...


Pedro Henrique Machado Brandão é estudante de Ciências Socias da UnB e professor de música.

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Um comentário:

Anônimo disse...

corrigindo: 'suposto' aluno de ciencias sociais da unb.


=)