Coluna - Futebol
As aves que aqui gorjeiam não nos impedem de ir pra lá
por Vitor Matos
Quando Cabral ― à custa de muita valentia e lágrimas de Portugal ― cortou o Atlântico para inaugurar a rota entre Europa e Brasil, mal sabia ele que célebre mesmo ficaria o caminho de volta. Afinal, era muito mais fácil ― e racional ― levar as boas coisas da nova terra pro Velho Continente do que transferi-lo todo pra cá. Isso posto, o oceano ficava engarrafado com tanta embarcação saída do País dos Papagaios levando alguma iguaria pras cortes d’além-mar. Começou com o pau-brasil, passou pelas drogas do sertão ― mas não sem antes despacharem muito açúcar de nossas fazendas. Num momento posterior, potes e potes de ouro e de outras pedras preciosas escafederam-se daqui. No século XX, virou moda levarem os melhores cientistas e as mais exímias cabeças pensantes nascidas em solo brasileiro. Até aí, tudo bem. O problema é que agora são nossos jogadores de futebol que não param de percorrer o caminho inverso de Cabral. É a gota que transborda a ânfora!
Os jogadores mais badalados e habilidosos, esses já estávamos acostumados a perder há muito tempo. Evaristo de Macedo e Didi, por exemplo, nos idos de 1960, estrelaram ainda mais o elenco do Real Madrid, que então contava com o magistral argentino Di Stéfano. Mais ou menos na mesma época, Altafini ― que depois viria a se naturalizar italiano ― brilhava no Milan. A partir da década de 80, o êxodo tornou-se mais comum. Falcão, já consagrado como ídolo no Inter, deixou os pampas gaúchos para jogar na Cidade Eterna. Ficou conhecido como o Rei de Roma, tamanhas foram suas façanhas no clube que leva o mesmo nome da cidade. Zico ― aquele do banheiro no bar do Romário ― deixou o Rubro-Negro em 1987 para defender a mediana Udinese, também da Itália. Leovegildo da Gama, o Júnior, por sua vez, trocou o Flamengo pelo Torino, de Turim. E o que dizer do Careca? Companheiro do Maradona em Nápoles.
Quer dizer, não é fato novo nossos jogadores fazerem as malas para ir jogar em gramados europeus. No entanto, até 20 anos atrás, apenas os craques que mais se destacavam por aqui eram recrutados para atuar no exterior. Hoje, qualquer botinudo que tenha um bom empresário e/ou uma convocação para amistoso da Seleção é candidato forte para integrar uma equipe européia. Itália, Espanha, Turquia, Rússia, Ucrânia. Não importa o destino, por mais esdrúxulo que ele seja. Até clubes de países sem tradição futebolística e economicamente mais fracos que o Brasil conseguem sugar nossos talentos. E, cada vez mais jovens, as promessas tupiniquins vão engrossar as fileiras de Shaktars Donetsk e CSKAs.
O chato é que os próprios jogadores não vêem a hora de largar o terceiro mundo e começar a ganhar em euros. Robinho fez força pra ser liberado pro Real Madrid. Bateu o pé e disse que não jogava mais no Santos. Sóbis não quis nem esperar o Mundial do Japão. Mal ganhou a Libertadores e já trocou o Inter pelo modesto Bétis. Para Jônatas, o bom momento no Flamengo (era, inclusive, capitão) em nada pesou na hora de decidir seu destino. Trocou a Gávea pelo Espanyol, primo pobre de Barcelona. E por fim, Tévez ― que não é brasileiro, é verdade, mas cabe bem no contexto ― ,o fujão do momento. Já fez birra, abandonou o time, voltou pra casa e avisou: no Corinthians não joga mais. É outro que sonha em ser negociado pra Europa.
Está todo mundo pulando fora do barco.
Mesmo porque, o caminho de Cabral inverso agora é feito de avião.
P.S.: Queria falar de Plutão, seu rebaixamento para o status de planeta-hobbit e todas implicações dessa descoberta para o mundo do futebol. Mas parece que todos os colunistas Brasil afora tiveram a mesma idéia. Na vez de Netuno, procurarei ser mais rápido...
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