Crônica
Por: Thaíse Torres
Sempre que retorno a esses corredores eu me lembro... Ah, se me lembro! Como se ainda pudesse sentir seu cheiro, penetrando por minhas narinas, envolvendo-me avassalando-me. A sensação é indescritível. Ainda que eu diga que é quente, macia, envolvente, sedutora ninguém terá sequer um pedaço de idéia do que ele me provocava.
Eu já tinha decorado todos os seus horários. A cada semestre, desde a primeira vez que o vi. Ele era novinho, parecia tão assustado com a imensidão daqueles corredores. Como se a beleza da UnB fosse esmagadora, um peso que estivesse sempre na iminência de cair sobre ele. Passava pelos corredores com seu passo rápido e desritmado. Fugindo de um alguém imaginário que muito bem poderia ser eu.
Ele estudava matemática e eu letras. Até aí não há nada de errado, pois todo casal tem que ter suas diferenças, sem elas não haveria graça no relacionamento. Ele era branco, alto e magro, cabelos meio despenteados, lisinhos quase na altura do ombro. Eu era morena de cabelos encaracolados e tendendo a ser cheinha. Mas me digam, por favor: que amor vive sem contradições? Nenhum, e o meu não era exceção.
Ele era tão simples. Com o tempo foi se acostumando com o ambiente e já não parecia tão frágil, mas me fazia flutuar a todo instante que eu podia sentir seu perfume. Foi uma paixão que durou por todo o tempo do meu curso. Nenhuma cara era bom o bastante, só existia ele, ele e ele. Com o tempo, a minha paixão platônica, tornou-se obsessão. Eu quase que já perseguia o pobre garoto, esse foi o auge, mas felizmente essa doença passou. Cruzes! Eu não gostaria de ter alguém me perseguindo.
O tempo passava e eu o admirava mais e mais. Certa vez, descobri por um acaso, que ele tinha um amigo em uma das xerox da Ala norte. Passei a freqüentar mais aquele abençoado lugar, e aos poucos também fui ficando amiga do amigo dele. Ah, tudo parecia uma dança, como um balé psicodélico, no entanto suave e acalentador. Deixei uma cartinha bonita, com uma poesia linda, em papel colorido, com fitinha e tudo. Nosso amigo não contaria de quem era a carta, e só entregaria com o tom mais casual possível.
É, pareceu - me que ele não gostava muito de poesia. Mas não perdi as esperanças, talvez não fosse o poema certo. Tentei várias vezes, Casimiro de Abreu, Cruz e Souza, Cecília Meirelles, tudo. Apenas poemas, apenas por ler. Enfim o fisguei. Não era que ele não gostasse de poemas, só tinha vergonha de admitir isso.
Após um tempo começamos a nos conhecer melhor, a conversar mais e nos tornamos amigos. Saíamos juntos, falávamos de tudo e todos, e eu sempre flutuando, nas nuvens ao ouvir o som de sua voz. Som mais doce não havia.
Ao fim, ele virou professor da Universidade, estou vindo trazer nossa filha para vê-lo. Nos fins de semana ela fica na casa do pai, então já a trago as sextas, para que eu possa trocar algumas poucas palavras com ele, e voltar para casa esperando o amor da minha vida voltar.
Vocês conhecem minha filha? Ah, ela é um amor. Aquelas mãozinhas fofinhas, aquele sorriso e aquele abraço, uma gracinha. E a voz dela? Som mais doce não há, eu me sinto flutuar...
2 comentários:
Cheiros e vozes são um perigo, minha filha... Impressões que grudam na memória... ficam pra sempre...
Muito bom o texto, Thaise!! Parabéns!! Ainda mais por saber utilizar palavras mais "cotidianas" e outras mais rebuscadas em seus momentos certos, dando o tom das passagens!! Não sabia desse seu dom de escrever narrativas também!
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