Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


terça-feira, 23 de maio de 2006

Conto

por Gabriel Castro


Foi dormir, e viu o rádio-relógio em cima da mesinha: eram 22h37. Acordou ainda sem a luz do dia,e viu as horas: 22h37. Achou engraçado, porque tinha a sensação de ter dormido algumas horas. Dormiu de novo sem olhar o rádio-relógio, que agora marcava 22h34.

Acordou com o sol se pondo, e pensou ter dormido o dia inteiro. Ainda bem que era sábado. O jornal do dia não havia chegado. Pegou qualquer coisa pra comer, e ligou a única TV do pequeno apartamento onde morava sozinho. A TV passava o mesmo filme que ele vira ontem. Estranhou. Trocou de canal, e viu as mesmas notícias da sexta-feira. O sol subia.

Depois de dois dias (nos quais teve aulas a que já havia assistido), aceitou: o tempo estava mesmo voltando. Não se espantou; apenas achou inusitado. E só ele parecia notar. Acostumou-se com a rotina.Acordou um dia na casa dos pais; sua mãe estava falando algo. Atraso, aula.

Dez anos depois, estava na infância. Os colegas eram os mesmos. O Super Nintendo e a mesma escola também estavam lá. Às vezes se lembrava do passado, da vida de universitário. Mas normalmente apenas vivia, e se esquecia por completo do que ocorrera.Desistira de entender. Não contava a ninguém por medo de parecer louco. Afinal, ninguém parecia estranhar que o tempo agora corresse para trás. Ou terá sido sempre assim?

Com um ano de idade, tinha ainda alguma consciência, que foi perdendo rapidamente. Parou de falar. Alguns meses depois, tinha dificuldade em reconhecer as pessoas. Não sabia mais os limites que o separavam do mundo. Parou de refletir.

Morreu nascendo.


Conto originalmente produzido para a disciplina Oficina de Texto

Um comentário:

Anônimo disse...

Ei! Uma vez eu dormi, era 13h24, sonhei e quando acordei continuava sendo 13h24! E não é ficção, essas coisas acontecem mesmo...