Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


segunda-feira, 10 de abril de 2006

Especial - Entrevista: Carlos Chagas

Confira a segunda parte da entrevista especial com o jornalista e ex-professor da Faculdade de Comunicação da UnB, Carlos Chagas
por Gabriel Castro

CACOM: Nesses anos todos, o senhor já se envolveu alguma vez com a militância política?
Carlos Chagas:
Não, não me envolvi. Na verdade, eu me aproximei não de um partido, mas de uma figura que admirei: Leonel Brizola. Identifiquei-me com o discurso nacionalista dele. Desde 1961, quando eu já era repórter de O Globo e ele organizou a Campanha da Legalidade, pela posse de João Goulart. Depois, tive a oportunidade de me aproximar dele, mantive uma ligação permanente com suas idéias e sua luta.

Ele sempre falava para eu me candidatar, mas nunca tive interesse por isso. Não tinha uma ligação com o partido, gostava das idéias do Brizola mesmo. Participei, isso sim, do programa eleitoral do PDT. Duas vezes por ano, os partidos têm direito a um espaço na televisão; é a propaganda partidária. A propaganda do PDT era sempre com a câmera centrada no Brizola e ele falava o tempo todo. Um dia ele me disse estar cansado desse formato. As pessoas já não davam mais atenção a ele. Então nós acertamos que, duas vezes por ano, eu iria entrevistá-lo para o programa partidário. Mas era uma entrevista de verdade, eu elaborava as perguntas abrangendo vários temas. “É verdade que o senhor quis fechar o Congresso uma época?”, perguntei uma vez. A entrevista de verdade acontecia, com perguntas duras. Fiz isso durante alguns anos, só parei quando ele morreu.

CACOM: O senhor chegou a ser filiado ao partido?
CC:
Eu me filiei uma vez, quando o Brizola veio com uma ficha para eu assinar. Eu falei: “Mas eu não participo de nada, não vou me filiar”. Ele respondeu dizendo que era só para constar lá no partido. Mas nunca cheguei a militar e essa filiação não foi homologada. Tanto que se você olhar na ficha dos filiados do PDT, não vai achar meu nome. Mas o fato é que eu me identifiquei muito com o programa nacionalista do Brizola. Nunca acreditei nessa globalização fajuta, nesse neoliberalismo, o sistema de “cada um por si”. Modestamente, sempre fui contra isso. Por isso me identifiquei com a pessoa do Leonel Brizola.

CACOM:E o que o senhor vem achando do governo Lula?
CC:
Ah, foi a maior frustração do mundo.

CACOM: O senhor votou nele?
CC:
Claro, todo mundo votou nele. Foi um grande estelionato eleitoral, porque ele e o PT pregaram mudanças - limitar a especulação financeira, usar mais dinheiro no investimento social, renegociar os juros da dívida. Fazer com que os ricos ficassem um pouco menos ricos e os pobres, um pouco menos pobres. Mas quando o Lula chegou no poder, frustrou a opinião pública. Por exemplo, ele isentou o capital especulativo de pagar impostos. Se eu quiser ajudar o governo e comprar títulos da dívida, eu vou pagar 22% de imposto de renda. Mas o especulador, estrangeiro ou brasileiro, não paga imposto. Outro foi esse aqui [apontando o livro de Fernando Henrique Cardoso - "A Arte da Política"]. FHC foi o Satanás da História, com esse modelo de privatizações. Tem coisas que o Estado não precisa ter, como hotéis, e até a Siderurgia está em condições de ser passada para o capital privado. Mas o FHC privatizou as telecomunicações, que são uma questão de segurança. Qualquer informação que você passe por telefone, os americanos podem ter acesso. Se há movimentação de tropas, eles podem ficar sabendo. Eles estão de olho, os satélites são deles. Se você quiser saber quanto vale o subsolo brasileiro, não vai conseguir. É impossível descobrir o quanto de riqueza existe no subsolo do Brasil. Um trilhão? Dois trilhões? Quatro trilhões? Não se sabe ainda. Mas o FHC vendeu ao estrangeiro o direito de explorar nosso subsolo, vendeu a Vale do Rio Doce por quanto? Uns dois bilhões. As ferrovias também. Elas estão sucateadas, e isso é resultado da privatização. O sistema ferroviário é muito mais econômico. Imagine qual seria o preço da soja, se ela fosse transportada de trem e não de caminhão?

CACOM: Qual a perspectiva do senhor para as próximas eleições?
CC:
Olha, tirar o Lula e colocar o Alckmin é tirar o seis e pôr o meia-dúzia. É a mesma coisa. Eu cheguei até a votar no doutor Enéas em 1998, de indignação. Nessa próxima eleição, estou vendo que vou ter de votar na Heloísa Helena, mesmo sabendo que ela não vai ganhar. Vamos ver se surge uma alternativa a esse neoliberalismo. O Lula, quando ganhou, eu achava que iria mudar, por ele ser operário. Mas esse operário está mais para banqueiro.

CACOM: E como o senhor vê o futuro? Pensa em parar um dia?
CC:
Sim, eu penso. Quando completar 70 anos, vou sentar e refletir muito bem sobre isso.

CACOM: Mas pensa em parar completamente?
CC: Não, eu não consigo. Mas quero me dedicar a escrever um livro. Já escrevi alguns, o último foi “O Brasil Sem Retoque”, que saiu em 2002. Escrevi também “113 dias de angústia”, “Guerra das Estrelas”, "Resistir é preciso" e outros. Eu escrevi sobre os bastidores da sucessão presidencial no Regime Militar: Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Como chegaram ao poder, todos eles?

CACOM: Como era ser jornalista naquele período?
CC:
Naquela época, fui processado três vezes pela Lei de Segurança Nacional. Não cheguei a ser preso, só fui depor e ser fotografado, geralmente de madrugada, para intimidar. Tive mais ou menos 200 artigos censurados. O censor ficava na redação; quando ele não gostava do artigo, fazia um "X". O jornal colocava poesias no lugar do texto cortado.

Em 1974, o Geisel ia assumir a presidência. Um ministro dele garantiu-me que a censura iria acabar. Eu pensei: já que vai acabar, tenho mais liberdade para escrever. Eu não entendo de economia, então fui à UnB e falei com alguns professores que me ajudaram a escrever um artigo chamado “O Falso Milagre Brasileiro”. Ele desmontava, ponto a ponto, aquilo que o governo dizia sobre a economia do país. Mas a censura não acabou naquele momento. O governo Geisel demorou ainda uns dois anos para iniciar a abertura. No dia seguinte à posse de Geisel, o censor cortou o meu artigo. Aí fiquei realmente chateado. Artigos políticos, ele podia proibir 300 que eu escrevia de novo. Mas esse, não. Eu tinha pesquisado, ouvido especialistas em cada ponto. Sentei à máquina e escrevi um outro artigo, chamado “O Falso Milagre Baldônico”. Inventei um país, chamado Baldônia Interior, e reescrevi o artigo usando os mesmos números, os mesmos argumentos. Era o artigo de antes, mas eu havia trocado o nome do país. Quando o artigo chegou lá em São Paulo, dizem que o censor falou: “Até que enfim esse Carlos Chagas resolveu escrever sobre política externa!”

4 comentários:

Anônimo disse...

Esse censor deve ter perdido o emprego.

Anônimo disse...

Bom bom bom!

Anônimo disse...

Pessoal, parabéns pela entrevista com o Carlos Chagas. Muito legal. A entrevista e, principalmente, a idéia de fazê-la.

O cara é o cara. Pena que vocês não podem mais ter aula com ele.

Conhecem a história do censor que viu uma peça em são paulo e mandou prender o autor? Só que o autor era o grego Sófocles, que já tinha morrido 2500 anos antes da ordem de prisão.

Anônimo disse...

Que tipo de pessoas eles chamavam para ocupar este cargo?