Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 26 de abril de 2006

Coluna - Futebol

Saudades do homem, não do mito
por Vítor Matos

Quando o homem sai de cena, nasce o mito. Telê Santana, ex-técnico e ex-jogador de futebol, morreu na última sexta-feira, dia 21, aos 74 anos. A coincidência com Tiradentes extrapola a data de falecimento: tal qual o inconfidente, Telê também era mineiro. Digo mais, se depender da crônica esportiva, ganhará o ex-treinador o mesmo status de mártir atribuído pela história ao herói do século XVIII. Hoje, revigoradas pelo impacto de sua morte, as proezas de Telê são cantadas aos quatro ventos, exaltadas pelos tradicionalistas, admiradas pelos românticos. Convencionou-se ligar seu nome a conceitos pertencentes ao futebol de nossos sonhos, como o futebol-arte, a exemplar ética profissional, a harmoniosa cumplicidade entre treinador e jogador. Telê é chamado de mestre. Dele, diz-se que nunca houve melhor profissional, atestam que seus ensinamentos aos jogadores transcendiam as quatro linhas e viravam lições para a vida, juram de pé junto que Telê está para o futebol do final do século XX assim como Charles Müller para o do início. A Telê não só atribuem o legado de um futebol perfeito, idealizado, como também o canonizam como o santo protetor desse tesouro. Assim como o número das amantes de JK diminuiu de dezoito para uma com o passar dos anos, os feitos de Telê serão ainda mais exagerados no futuro.

Pergunto-me se o ex-técnico da Seleção e de clubes como o São Paulo é merecedor de tamanho prestígio. Suspeito que não. Desconfio que a simpatia dos profissionais da crônica esportiva pela figura de Telê está contribuindo para a construção do mito. Em termos de conquistas, o currículo do “mestre” não difere muito dos demais técnicos brasileiros. Valdir Espinosa, por exemplo, assim como Telê, também foi campeão mundial de clubes (pelo Grêmio, em 1983). Duvido que Espinosa, o Marlon Brando brasileiro, ganhe sequer uma nota de rodapé quando da sua morte. Paulo Autuori, atualmente no Kashima do Japão, já ganhou duas Libertadores ( Cruzeiro 97 e São Paulo 2005 ) e um Mundial de clubes ( São Paulo 2005 ) e seu nome nem tem grande repercussão na mídia. Quanto a Seleção brasileira, time que dirigiu em duas Copas (82 e 86), quais são as conquistas de Telê ? Falarão, decerto, da seleção de 82, “que encantou o mundo e não ganhou nada por um acidente do destino”. É uma questão duvidosa, posto que subjetiva. Um time pode agradar a um indivíduo e desagradar a outro. Trata-se de gosto pessoal. No futebol, apenas as conquistas são irrefutáveis.

Agora, com relação ao caráter de Telê, torço para que ele realmente tenha sido tão íntegro como é pintado na imprensa. Bons exemplos para as pessoas nunca são demais. Que sua postura idônea, sua justeza de espírito e correção das ações inspire não só os profissionais da bola, mas ainda todos aqueles envolvidos em quaisquer setores de nossa sociedade.

Na década de 50, quando jogava no Fluminense e dava seus primeiros passos no futebol, Telê foi apelidado pela torcida de “Fio de Esperança”, devido à sua compleição franzina. Atualmente, fazem do Fio um novelo inteiro. Romantizar a trajetória de um homem transformando-o num herói tira dele a virtude que mais o aproximaria das pessoas comuns: a sua humanidade.

Vítor Matos é estudante de Comunicação Social na UnB e reveza esta coluna com Guilherme Rocha.

Artigos e colunas são de responsabilidades dos respectivos autores, não sendo necessariamente a opinião deste blog.

Um comentário:

Anônimo disse...

Brilhante texto, assim como todos os outros.