Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


sábado, 18 de fevereiro de 2006

Artigo

Assassinaram o jornalismo
por Adriana Caitano

Preciso demonstrar minha indignação aqui a respeito de um “assassinato jornalístico”. Calma! Refiro-me a um novo periódico da cidade que tem me deixado à beira de um ataque de nervos, o Polícia nas Ruas. Pela bagatela de 50 centavos (o que acho realmente caro por algo tão sem conteúdo), os transeuntes da Rodoviária do Plano Piloto e de outros lugares da cidade podem levar o jornalzinho ensangüentado cheio de “boas notícias”. Na capa, uma destacada foto de um cadáver com miolos, sangue e tudo o mais para fora. Em seu interior, “sensacionais” manchetes sensacionalistas demonstram as “maravilhas” do mundo do crime brasiliense. Se um parente, vizinho, ou amigo seu foi assassinado ou sofreu um acidente, não se preocupe. No dia seguinte, o corpo de seu ente poderá estar estampado nessa obra-prima jornalística (?) para que todos o conheçam e reconheçam.

Exagero? Talvez. Confesso que ainda não tive coragem de desembolsar meio real (isso existe?) para adquirir o Polícia. Tenho tanta coisa para fazer com 50 centavos! Mas sabe que às vezes me mordo de curiosidade? É incrível, muita gente o compra. Começam a vender de manhã e de noite já acabou. Encontro inúmeros leitores com o tablóide chamativo em mãos, superinteressados. Deve ter algo de bom ali.

Opa! Logo, retomo minha sobriedade e analiso melhor a questão, tentando ser racional, crio algumas hipóteses. O público da Rodoviária, maioria de trabalhadores ocupadíssimos sem tempo para assistir ao JN ou sem dinheiro para comprar um Correio Braziliense, procura informações de outra forma, prática e barata. Bem, isso não explica muita coisa porque o Tribuna do Brasil é vendido pelo mesmo preço numa banca ali ao lado e, convenhamos, não deixa tanto a desejar diante dos grandes. Tem de tudo um pouco, como deve ser um bom jornal: comportamento, política, esporte, cidade, Brasil, mundo, coluna social, moda e até fatos policiais. Sem contar o Jornal Coletivo, distribuído gratuitamente todas as tardes em vários pontos do DF, principalmente na Rodoviária. OK, hipótese descartada.

Pode ser que sua estratégia de marketing garanta o sucesso do periódico. “Olha o jornal, baratinho, 50 centavos, informação de qualidade, olha o jornal!”, chamam seus vendedores em gritos ensurdecedores. Com certeza, a propaganda é a alma do negócio. Mas também não é para tanto. Mesmo assim, a gritaria funciona.

Consideremos todas as alternativas anteriores, já que possuem um certo grau de veracidade. Porém não me conformo. Há mais alguma coisa por trás de isso tudo. Após tantas voltas, enfim, fico com minha conclusão: o povão gosta mesmo de ver violência. O dono, idealizador, editor-chefe ou sei-lá-o-quê do Polícia nas Ruas é um cara muito esperto. Sabe bem do que o povo gosta e resolveu ganhar dinheiro em cima disso.

Para esclarecer melhor, um amigo meu, Guilherme Rosa, que comprou o jornal, disse o seguinte: “No início, tem um editorial do Geraldo Naves, acompanhado de sua foto com seu farto bigode. Lá está escrito que o jornal tem o intuito de mostrar o que "minorias" não o deixam mostrar na TV. Naves deixa implícito que a amostra sensacionalista dos fatos policiais é como uma "missão social" designada a ele pela própria sociedade...eu hein!”. O Guilherme ainda me alertou para os erros ortográficos em excesso e confessou: “Eu assumo que comprei por curiosidade, li em 15 minutos e joguei fora no mesmo dia”.

Pelo visto, tem muita gente curiosa por aí. E, enquanto o bolso do Geraldo Naves vai se enchendo de dinheiro (ou nem tanto), o jornalismo popular do DF vai ganhando um borrão de sangue. E viva a liberdade de imprensa!

P.S.: Perdoem-me se fiz alguma afirmação indevida, se feri o orgulho de alguém ou algo do tipo. O excesso de aspas é proposital, quis ser irônica mesmo.

Texto originalmente publicado no blog da autora em 15.12.2005, quando o jornal ainda custava R$ 0,50 (atualmente ele custa R$ 1,00).

Um comentário:

Marcelo Arruda disse...

gostei do texto. só queria fazer algumas correções:
Discordo quando diz que o pessoal da rodoviária não tem tempo para assistir ao JN.pensoque tem, e muito, visto a audiência do jornal ser a dos trabalhadores...
aliás, o foco do JN é este, vide famosa entrevista de Willian "Homer"...

Só mais um detalhe: Geraldo Naves se candidatou a Deputado (não me lembro se federal ou distrital). num país onde Meios de Comunicação e política são unha e carne, é um dado importantissimo...