Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 16 de maio de 2007

Futebol!

Lendo o futuro nas cartas
por Vítor Matos

O marido traído. Decadente figura, que dó. Percebe as pessoas cochicharem quando ele passa - no escritório, na igreja, no almoço de domingo – e pensa que talvez estejam organizando uma festa surpresa ou coisa do gênero. Aparecem orquídeas na sala de jantar, flores que não haviam sido compradas por ele; sapatos que ele nunca usou começam a freqüentar os armários, vez ou outra são flagrados no banheiro. Tudo bem, pensa o marido, porque objetos domésticos são misteriosos assim mesmo. E uma noite ele chega em casa, não encontra flores, sapatos, nem mesmo as crianças estão lá. Só resta uma carta em cima da mesa. (Ele se envaidece com a consideração da esposa, porque ela podia perfeitamente tê-lo notificado apenas via orkut.)

Às cartas cabe o serviço sujo das relações interpessoais. Elas estão para o convívio humano assim como o carrasco está para a Idade Média ou o limpador de fossas para o mundo contemporâneo. E é justamente o fato de assumir as tarefas que ninguém quer empreender que faz as cartas resistirem até hoje à subjugação das correspondências eletrônicas. Quer matar, ferir ou torturar, mas tem medo de sujar as mãos? Mande uma carta.

Se Dunga (o técnico, não o anão), fosse iniciado em metade do conhecimento exposto acima, decerto tomaria mais cuidado ao conferir sua caixa de correio, no mínimo tomaria um chimarrão antes de abri-la. Quando menos se espera uma carta pode chegar, e da onde menos se espera. Como Dunga poderia imaginar que Kaká, justo ele, o homem de confiança, o queridinho do técnico, o capitão, lhe enviaria uma carta pedindo dispensa da Copa América? Parecia que tudo ia bem, às mil maravilhas. Havia os cochichos, é claro, mas Dunga achava que se tratava de alguma festa surpresa ou coisa do gênero, naturalmente. Ele foi o último a saber.

Na esteira de Kaká podem vir outros jogadores, principalmente Ronaldinho Gaúcho.Os craques que atuam na Europa querem férias em julho e não passa pelos seus planos sacrificá-las para disputar a desprestigiada Copa América. E Dunga, o paizão, o xerifão, que contava com seu estilo vibrante e passional para agregar o grupo em torno de si, vê-se cada vez mais próximo do abandono completo. A filosofia do general no futebol precisa de pelo menos um dos seguintes requisitos para funcionar: a) um general; b) subordinados que creiam no seu líder como um general.Dunga (o técnico, não o anão) não conta com nenhuma das duas alternativas.

A salvação está nas encíclicas, bulas e tratados do papa Ratzinger. Se suas arengas contra o divórcio finalmente comoverem os cristãos e levarem as pessoas a perseverar mesmo nos casamentos mais gastos e condenados; ainda, se esse espírito de boa vontade extrapolar as relações matrimoniais e passar a permear qualquer tipo de relacionamento social, inclusive os incrivelmente rotos e maltrapilhos, aí sim os problemas de Dunga (e também dos cônjuges traídos terminarão). E não haverá mais necessidade de cartas.

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