Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 2 de maio de 2007

Futebol!

Os que vão morrer te saúdam
por Vítor Matos

A humanidade sempre precisou de heróis, esses seres de extraordinária bravura, altruístas e justos. Afinal, alguém tem que servir de estampa para as figurinhas da garotada, de inspiração para os homens perdidos e de garoto-propaganda para o poder reinante. Isto posto, sigamos para um breve mergulho na história do heroísmo ao longo dos séculos.

Roma, a cidade eterna. Na época dos césares, centuriões e sábios, quem realmente cativava o imaginário popular eram os gladiadores. Por aqueles homens que disputavam a vida no Coliseu, fremiam os corações, bradavam os peitos e choravam as almas dos antigos romanos. O ideal de retidão e bravura recaía sobre a imagem do gladiador. O que dizer de um homem que lutava contra as mais temíveis feras, nas mais adversas das condições e sem a menor esperança de vitória? Era muita dignidade junta. (O fato de os leões, na maioria das vezes, saírem da arena de bucho cheio não mudava em nada a reputação do gladiador junto ao público).

Durante a Idade Média, o conceito de herói foi ganhando novas feições, novos contextos, mas nunca se desatrelando totalmente da idéia inicial dos gladiadores. Os cavaleiros nos duelos, os reis soldados, os cruzados na Terra Santa. Percebe-se que a inserção em situações violentas sempre fez parte dos pré-requisitos básicos para que um homem fosse alçado à posição de ídolo popular.

Mas eis que chega o século XX e junto com ele uma necessidade de estender os preceitos de uma sociedade civilizada e moderna a todos os aspectos da vida. Até mesmo os heróis deviam se livrar do sangue, das mortes, das brigas homéricas. O que fazer da lacuna deixada por Artur, El Cid, Zorro? Surge então o futebol. No lugar dos antigos e sanguinolentos ídolos, aparece uma nova safra de notáveis, que fazem da inteligência com a bola nos pés a sua maior arma. As chuteiras são espadas de fio afiado. O chute no gol é um arremate de aríete. E por décadas seguidas homens como Pelé, Cruyff, Beckenbauer e Maradona serviram de representação para o que a raça humana tinha de melhor.

Vá o leitor ao cinema neste final de semana. Verá o tamanho do frenesi que o aguarda. Filas intermináveis, tumulto e adolescentes com fantasias esquisitas. Tudo porque na sexta-feira estréia o terceiro filme da série “O Homem-Aranha”, um dos mais aguardados pelo público nos últimos anos. Os jovens adoram as aventuras do aracnídeo, se identificam com seus dramas e sonham em, um dia, ser picados por uma aranha radioativa. Tal é o perfil do herói do século XXI: um personagem catanho de cinema.

Os gladiadores derramavam sangue verdadeiro no circo. Os jogadores de futebol se entregam de todo o fôlego e arriscam suas canelas pela vitória. Os feitos do Homem-Aranha lhe custam, quando muito, tecnologia de efeitos especiais. É tudo virtual hoje em dia: bichos de estimação, amigos, conversas. Era de se esperar que os heróis também chegassem a esse ponto crítico

Antes da luta no Coliseu, os gladiadores viravam-se para o imperador e diziam: “Ave César, os que vão morrer te saúdam”. A frase era mais profética do que se podia imaginar à época. Dois mil anos depois, verifica-se que aqueles homens não se referiam apenas a si mesmos, mas também a todo um ideal de honra, romantismo e coragem em volta do herói clássico e que definharia com o advento dos super-homens enlatados.

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