Futebol!
Uma inverdade conveniente
por Vítor Matos
A verdade é que nós ― os mortais ― adoramos uma boa ficção. Os homens estão sempre tecendo fantasias, conferindo valor simbólico a ritos, hábitos e fatos que, por si sós, não teriam grandes significados. Criamos as mentirinhas, as ilusões, com as quais romanceamos a vida e camuflamos a crueza da realidade. As festas de 15 anos, por exemplo. Todos nós sabemos que há muito tempo trata-se de um hábito pra lá de sem sentido. É óbvio que as meninas não viram mulheres simplesmente ao alcançar essa idade ― mesmo porque, dado o final dos tempos, tal processo tem ocorrido muito antes disso. No entanto, em prol da celebração, dos vestidos de princesa e das valsas, fazemos vista grossa e embarcamos na onda. É tudo faz-de-conta. Como também o são o grito do Ipiranga, a colação de grau e a democracia. São farsas nas quais queremos acreditar, menos por inocência do que por um desejo de se colorir a vida.
Por tudo isso, é mais do que legítima a napoleônica busca do Romário, o Baixola, pelo milésimo gol. Os insuportáveis guardiões da verdade, de posse dos seus infalíveis números e estatísticas, afirmam que o veterano atacante não tem 990 gols como alardeia, mas uma quantia menor. A FIFA também refuta a conta. E daí? É realmente bem provável que Romário ainda esteja longe do milésimo (centenas de distância, talvez), mas esse detalhe não tem a menor importância. Os burocratas não entendem que a questão é muito maior do que simples registros ou arquivos, trata-se da coroação de uma carreira retumbante, da despedida triunfal de um titã do futebol. Romário é, reconhecidamente, o melhor centroavante de todos os tempos. Dentre seus grandes feitos, incluem-se façanhas como marcar gols de cabeça medindo apenas 1,68m e ter sido o artilheiro do Campeonato Brasileiro às vésperas de completar 40 anos. Não nos esqueçamos, sobretudo, que a sua genialidade foi a maior responsável pela conquista do tetracampeonato em 94. Logo, pouca diferença faz a quantidade de gols que Romário tenha no currículo. A marca dos mil é simbólica, uma forma festiva para que público e crítica rendam as últimas ― e merecidas ― homenagens ao Baixola.
É com tanta facilidade que o ser humano se rende à fantasia. Ao longo de um único dia, são inúmeras as oportunidades em que nos deixamos levar pela tentação do fictício, das ilusões, em contraposição à sisudez dos fatos. Por que, então, oferecer tanta resistência à epopéia de Romário? Ele é baixinho e tem pernas curtas, mas não necessariamente conta uma mentira. No máximo, uma inverdade conveniente.
*** O mundo do futebol é pequeno demais para Eto’o e Obina. No mesmo fim de semana em que um volta de longo período sem jogar, o outro se contunde e fica fora por seis meses.
***Não perca, cara leitora! Semana que vem coluna inteiramente dedicada ao Dia das Mulheres.
Um comentário:
A despedida de Romário tem sido deprimente, e não triunfal.
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