Constância
por Guilherme Rosa
Lá vem a criança da favela, sem nome, sem escola, sem comida, sem futuro. Começa a vender droga, começa a vigiar o morro, começa a se drogar. O cataclismo a perturba e a vida que não foi o que deveria ser se fecha com um tiro prematuro, derrocando o início da linha magna do ciclo vital. Vem a constância.
Olha aí o casamento fracassado, o amor aprisionado e a vida a se perder por idéias pré-definidas por outros. Tudo em nome dos filhos, da família, da sogra, da porra dos bens que estão em jogo, do comodismo. O furacão está furioso, sensações variam de acordo com o momento e a luz não ilumina como antes. A ruptura requer muita coragem, mas é materializada. Vem a Constância.
Pense em um trabalho desonesto, onde se trabalha demais e tem como ganho real arrogância, mentiras e injustiças. Onde reconhecimento é sinônimo de corporativismo e mesmo assim a humilhação é bem vinda em nome da sobrevivência dos loucos. A necessidade atravessa o orgulho e o determinismo, mas o limite é a honra. Nada de arrependimentos na hora do pandemônio final. Vem a Constância.
Observe o medíocre cidadão, sentado no sofá em pleno horário nobre. Alienado pelas notícias manipuladas, por contos inverossímeis, pelo modismo, pelo sistema, pela religião, pelo costume, pela massa, pela mágica do estereótipo. Tão distante da verdadeira idiossincrasia, da autenticidade, da solidão sensata que leva à elevação, não aquela que traz sofrimento. Daí vem a falsa constância do populismo, não a da sabedoria. Jogar tudo para o alto, perceber que o importante não é tão visual nem escancarado, ir em busca do legítimo. Perspectivas que originam a libertação do colapso camuflado. Vem a Constância.
Parabéns para aquele que passou no concurso público! Nossa, ele já está na faculdade! Casar e ter filhos, que sonho! A vida está feita, completa, sublime. Sem contar a aposentadoria que vai proporcionar uma ótima morte. Isso não é constância, e sim uma simplificação da vida. A existência transcende tais aspectos, como a caverna de Platão. É difícil chegar no pedestal da tenacidade? Quase impossível. Temos a vida lírica em nossa volta e não a aproveitamos.
Temos um emprego medíocre e nos conformamos. Temos o nobre amor nas mãos e o jogamos fora. Temos um sopro de esperança que se dissolve em lágrimas. A Constância é para os fortes.
Guilherme é estudante de Jornalismo na UnB.
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2 comentários:
Muito legal...
crônica do homem do século XXI?? gostei....muito...
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