Notas Expressas

Tivemos um enxugamento do nosso corpo de repórteres, mas estamos, aos poucos, retomando o ritmo de publicação de matérias.
(atualizado em 20 de outubro de 2007)


quarta-feira, 31 de maio de 2006

Coluna - Futebol

O ópio do povo
por Vítor Matos

A coluna que se segue é um oferecimento a todos vocês que têm uma tia gorda, um amigo revolucionário ou um professor amargurado.
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Quando a gente pensa que já ouviu muita tolice nesse mundo afora, eis que a vida nos brinda com uma nova bizarrice. Eu julgava ― quanta inocência! ― que a sociedade brasileira já gozava de um certo grau de cultura, alguma capacidade de reflexão. Ledo engano. Alguns dos nossos compatriotas insistem em andar pra trás. Pasme, jovem leitor, ainda existem pessoas que, em plena aurora do século XXI, continuam a repetir o mesmo alquebrado discurso de décadas remotas. “O futebol é o ópio do povo”. Meu Deus! Isso é mais retrógrado que discutir se o homem pisou na Lua ou num estúdio de Hollywood. Mas não pára por aí a insensatez. Esses mesmos indivíduos ― que daqui pra diante denominarei de parlapatões ― afirmam que torcerão contra o Brasil na Copa. Tamanho disparate só poderia encontrar apoio na sua caduca ideologia. Eu e você, cidadãos de bem, nem deveríamos perder nosso tempo discutindo tal leviandade, mas tal omissão não seria de bom tom jornalístico.

Segundo os parlapatões, uma vitória no futebol alienaria nossa população a ponto dela esquecer suas mais latentes feridas. Repilo. A alegria que provém dos gramados nos arrebata de cheio, é verdade, mas o êxtase nos leva apenas a ignorar nossas agruras por um momento limitado, não eterno, o deslumbramento acaba mais cedo ou mais tarde.. Afinal, quem passa fome não esquecerá a vontade de comer por causa de mais uma estrela no peito. Quem é assaltado todo dia na porta de casa não passará a amar os gatunos porque sua Seleção sagrou-se hexacampeã. Digo mais, quem vê seus parlamentares afanando verba pública todo dia no jornal não vai pensar que a moralidade invadiu o Congresso só por causa do troféu FIFA fair play. Então, não me venha dizer que um título na Alemanha deslumbraria o povo brasileiro, deixando-o insensível à sua realidade. Na verdade, seria apenas um alívio no meio de tanto abacaxi. A Copa do Mundo funciona como as férias. Um pequeno intervalo de um mês na rotina sofrida do dia-a-dia. A diferença é que as férias são a cada ano e a Copa só de quatro em quatro. (A CLT precisa ser revista.)

Novela, isso sim, é o ópio do povo. Conheço meninas de 9 anos que já querem pôr silicone nos seios. É o futebol que faz isso? É o futebol que divulga valores distorcidos, superficiais, fúteis e materialistas na nossa sociedade? Não, amigos, a resposta é não.O futebol, pelo contrário, ensina aos meninos sem oportunidade que é possível crescer usando o talento. Mostra aos homens perdidos a importância de se lutar até os 45 do segundo tempo, por que o jogo só termina quando acaba. É o futebol, caros amigos, que faz a bandeira brasileira, esse pavilhão verde-amazônia com amarelo-queijo minas, ser reconhecida e reverenciada nos rincões mais agrestes desse mundo. É o futebol, e tão somente ele, que faz o inglês ou italiano sonharem, pelo menos por um dia, em serem brasileiros.

Anacleto Moscoso, o mestre, antes de embarcar pro Tibet (aonde pretende isolar-se numa montanha e enviar bons fluidos para nossa Seleção durante a Copa), proferiu as sábias palavras: “Dizem que o futebol é o ópio do povo? Deixe que falem. Pois, se do ópio fazem a heroína, é do futebol que vêm nossos heróis.”

P.S.: Anacleto garante que nunca usou drogas e desaconselha tal hábito.

Vítor Matos é estudante de Comunicação Social na UnB.

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