Especial - Entrevista com Carlos Chagas
Jornalista e ex-professor da UnB, Carlos Chagas defende a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão e critica o excesso de teoria na universidade
por Gabriel Castro
Carlos Chagas é uma dessas pessoas - cada vez mais raras - que testemunharam de verdade a turbulenta História do último meio século. Mantendo sua fala serena e o cigarro sempre à mão, Chagas se aproxima do 68º aniversário com a agenda cheia. Diariamente, pode ser encontrado em seu confortável escritório no Setor Comercial Sul, no centro da cidade onde chegou há 22 anos. Senta-se à sua mesa: ao fundo, um grande mapa-mundi ; à frente, vários monitores de TV, cada um sintonizado em um canal diferente. Chagas tem 45 anos de experiência no jornalismo; foi amigo de JK, Leonel Brizola e inúmeras outras figuras públicas. Por duas décadas e meia, foi talvez o professor mais querido da Faculdade de Comunicação da UnB. E ainda hoje não abdicou da tarefa de, diariamente, tentar compreender o nosso país e nos oferecer sua explicação - talvez não a totalmente acertada, mas definitivamente sincera.
Acessível, Carlos Chagas nos recebeu e aceitou dar uma entrevista. A primeira das duas partes pode ser acompanhada abaixo.
CACOM: O senhor se formou em 1960, não é?
Carlos Chagas: Eu me formei em 1960, mas em Direito, na PUC do Rio. Naquela época o diploma de jornalismo não era obrigatório. Depois de seis meses a pessoa podia fazer o registro da profissão.
CACOM: E o que o senhor acha da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo?
CC: Acho imprescindível, fundamental. De tempos em tempos, surge a tese de que o diploma não é obrigatório . Dizem que ser jornalista é para quem tem o dom de escrever. Mas vou dar um exemplo: "seu" Manoel é açougueiro. Nasceu com o dom de cortar carne. Ele é um craque na arte de cortar. Mas isso dá a ele o direito de vestir o jaleco, entrar no hospital e fazer uma cirurgia? Imagine um camelô qualquer. Ele tem o dom da palavra. Fala muito bem, sabe convencer os clientes, vende tudo o que apresenta. Mas por isso ele pode atuar num tribunal? O dom é importante, mas não faz o profissional. Quem tem o dom de escrever pode fazê-lo como colaborador, articulista.
O jornalista não é melhor nem pior do que o escritor, mas precisa de conhecimento ordenado e sistematizado, que só adquire na faculdade. Antes, aprendíamos apenas pela experiência, a prática. Só quem sabe história, filosofia, economia, geografia, pode ser um bom jornalista. Bem como precisa conhecer a parte técnica: editar, diagramar, apresentar, aprende-se com muito mais facilidade e eficiência nos bancos universitários.
A Medicina levou séculos para conquistar a exigência do diploma. Antigamente exercia a medicina quem tinha propensão para isso. O sujeito tratava dos outros como queria. Alguns eram até curandeiros, não tinham estudo. Olha o Tiradentes: era um alferes, mas tinha pendor para tirar dentes. Nunca estudou odontologia. Mas como o mundo anda para frente, passou-se a exigir o diploma de odontologia. No jornalismo também não se exigia o diploma, mas as coisas evoluem. Sabe quem é contra a obrigatoriedade do diploma? Os donos de jornal, os filhinhos dos donos, que não tiveram capacidade para se formar.
Hoje em dia, mesmo que não existam mais turmas fixas, como antigamente, um aluno jovem tem aquela convivência permanente com os colegas. Não pensam igual, mas constituem uma mini-sociedade organizada. Quando se formarem, vão estar juntos para exigir melhores salários, condições de trabalho e ética profissional. Mas os patrões querem contratar parentes, amigos, pessoas sem compromisso com a categoria e com o jornalismo. Se o diploma for obrigatório, isso muda.
CACOM: O senhor acha que essa é uma tendência irreversível?
CC: Ah, com certeza. Já é obrigatório há alguns anos. Foi uma juíza do Rio Grande do Sul que deu há pouco tempo uma sentença suspendendo a obrigatoriedade, mas o Superior Tribunal de Justiça revogou. Mesmo assim, a obrigatoriedade vem sendo desmoralizada. A Folha de S. Paulo, por exemplo, contrata sem diploma. Todo ano ela faz um teste, e muitos garotos se inscrevem. No fundo, a Folha reconhece a necessidade de uma formação, porque oferece um curso interno aos selecionados. Oferece um diploma particular.
CACOM: O senhor ficou 25 anos na UnB, não é?
CC: 25 anos. Fiquei um tempo como professor visitante, depois fui para professor titular.
CACOM: E por que resolveu se aposentar?
CC: Bom, eu acordava todo dia às 6h30 para estar às 7h45 na UnB. Dei aula de várias disciplinas, até às 10 horas. Depois da aula, caía na vida: dirigi sucursais de veículos de comunicação, tinha de fazer um artigo de 100 linhas por dia, fazia 4 comentários diários para a rádio, um comentário para o telejornal, participei do Conselho de de Comunicação Social e do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Chegou uma hora em que não dava. Outro motivo: no começo, não havia esse preconceito contra o cigarro. A gente dava aula fumando, e os alunos também fumavam. Depois, passei a fumar no corredor, no intervalo entre as aulas. Aí veio uma ordem proibindo o cigarro em toda a Universidade. Na verdade, eu costumo falar brincando que parei de dar aula por causa do cigarro. E ainda tem um outro motivo: a renovação. Apesar de a gente se reciclar, chega uma hora em que é preciso dar lugar a outros. Antigamente existia a figura do catedrático, o sujeito que ficava 25, 30 anos dando aula do mesmo assunto, exatamente do mesmo jeito. Mas o professor precisa reconhecer as mudanças, precisa aprender com os alunos, também.
Quando eu dava aula de Ética, precisava dar uns fundamentos de filosofia. Eu mostrava como os filósofos viam a ética, não todos, claro, mas uns 40. E olha que são mais de 100 mil. Desde os Pré-Socráticos, passando pela Idade Média, a Escolástica, até Noam Chomsky, incluindo Maquiavel, Kant, Hobbes, Marx, Nietsche e até Jesus. Cada um dispôs de uma definição diferente sobre que é a ética. Na última aula, eu punha no quadro o nome de cada um desses que havíamos estudado, e dizia : "Agora vocês vão votar. Vamos ver porque vocês são éticos”. No começo, há 25 anos, Marx ganhava por uns 70%. Claro, o país estava na ditadura militar e os estudantes tinham o comunismo como forma de reação ao regime. Na verdade, não eram comunistas coisa nenhuma, só uns três ou quatro. Mas isso refletia o posicionamento dos estudantes naquela época.
Depois voltou a democracia, mudaram as mentalidades, e aí passou a ganhar Hobbes, que era ético por egoísmo, para o colega do lado também ser ético, depois Weber, ético para ganhar dinheiro, e Aristóteles, para sentir-se bem consigo mesmo. Na última eleição que fiz antes de me aposentar, ganhou Noam Chomsky, aquele intelectual que critica o neoliberalismo. Isso reflete as tendências de cada época. Em 25 anos ministrei Ética para 50 turmas, e pude observar essa mudança. Então o professor aprende muito com os alunos também.
CACOM: Nesses 25 anos, o que o senhor viu mudar na Universidade?
CC: Os professores não vão gostar disso, mas vá lá: a crítica principal é que os professores hoje formam outros professores: dão muita ênfase na teoria. É preciso mostrar a prática. E olha que eu dei aula de teoria na Universidade. Até hoje não sei o que é semiótica e semiologia, e não quero saber. Isso nunca me fez falta. Então não adianta ensinar só a teoria. Os professores precisam falar mais claro. Na medicina, não adianta você ensinar na teoria como se faz uma operação de apendicite e esperar que o sujeito vá lá e faça tudo certo. No jornalismo, é preciso ensinar a prática, se não a faculdade não obtém resultado.
CACOM: Como é sua rotina hoje?
CC: Bom, eu comecei trabalhando 12 anos como repórter do Globo, no Rio, onde cheguei a editor-político. Em 1971, vim para Brasília ocupar o cargo de diretor da sucursal do Estadão. Fiquei 16 anos nesse cargo. Mas no jornalismo, uma hora ou outra você sai do emprego. Fui convidado para diretor da rede Manchete de televisão. Fiquei lá 12 anos. Quando a Manchete acabou, fui para a CNT. E jurei que não iria mais aceitar um cargo de direção. Então estou lá desde 2000, tenho um programa de uma hora exibido três vezes por semana. Chama-se “O Jogo do Poder”. Geralmente debato com políticos e personalidades um assunto que esteja em evidência.
Também faço um comentário para o Jornal da CNT, de segunda à sábado. Gravo quatro comentários políticos por dia para a rádio Jovem Pan. São dois para a manhã e dois para a noite. E escrevo um artigo de 100 linhas para alguns jornais. Já foram 36, hoje são 12. A gente vai envelhecendo e as pessoas vão se cansando. O cara pensa: “Puxa, já tem 15, 20 anos que eu leio esse cara. Agora chega”. Não escrevo para nenhum jornalão. São jornais como a Tribuna da Imprensa, do Rio, a Tribuna, de Santos e outros. A maioria são jornais do Nordeste.
O problema dos jornais pequenos é que eles pagam pouco, e às vezes não pagam, atrasam. Tem jornal que me paga 500 reais por mês por artigos diários. Mas tem jornal que chega a atrasar 6 meses o pagamento. Aí eu paro de enviar os artigos, né? Quem trabalha de graça é relógio. E eu também tenho um espaço na revista semanal BSB em Dia e na revista Foco.
A segunda parte da entrevista com Carlos Chagas será publicada no blog na próxima semana.
2 comentários:
Ótimo! Tudo o que eu sempre quis saber sobre o Chagas, até teria coragem de perguntar, mas não perguntei. Parabéns pela entrevista!
Gostei...
Grande, porém não cansativa... Da-lhe Gabriel!
Parabéns pro Blog!
Uma sugestão... vamo explorar as outras áreas da comunicação social! A galera de audio e de publicidade também entra aqui.
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